as companheiras da estaleiro editora tivérom a bem gravar e editar um vídeo que recolhe toooooda a apresentaçom de aquiltadas na livraria couceiro, em compostela. se queredes saber algo mais deste poemário, podedes escuitar-nos aqui. se só queredes escuitar poemas, ide direitinhas à parte III:
26 de dezembro de 2012
11 de dezembro de 2012
aquiltadas em compostela
patchwork em santiago de compostela |
esta quinta, 23 de dezembro, ás 20.00 horas, estaremos na livraria couceiro para falarmos de aquiltadas e fazer, se a tarde o permite, um pequeno patchwork de poemas...
acompanharam-nos ao poemário e a mim vítor suárez, por parte da estaleiro editora, e hortensia fernández, ilustradora do livro.
a imagem é duma instalaçom de luz darriba e tirei-na de aqui.
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31 de outubro de 2012
No diário cultural 3
analisando as costuras do poemário |
desta vez, chus nogueira comentando o livro na sua secçom de poesia: escuita o mp3. o programa completo, aqui.
24 de outubro de 2012
No Diario Cultural 2
as vozes do diário cultural de corpo presente |
aqui podedes escuitar a entrevista emitida no diario cultural o passado 19 de outubro. falamos das aquiltadas, das mulheres e da costura. e andou janis joplin polo fundo.
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17 de outubro de 2012
No Diario Cultural
ana romaní e anxo quintela, poetas a diário (cultural) |
Durante semana, no diario cultural da radio galega, podedes escuitar uns petiscos de aquiltadas: um poema por dia. como sempre, ao final do programa.
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25 de setembro de 2012
falou... e falou bem
a imagem tem amo: luis tosar. |
maría reimóndez fala de feminismo para praza pública e reflexiona sobre muitas questons que sobrevoam polas terras aquiltadas: a ideia de patriotismo, a invisibilizaçom dos trabalhos das mulheres, as dúvidas com respeito às teorias queer...
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6 de setembro de 2012
30 de agosto de 2012
o livro
por fim estará nas livrarias, nos quiosques, nos locais sociais, nos postos de venta que a estaleiro move polo mundo adiante... aquiltadas.
desde o 1 de setembro, con entrada triunfal no XXVI festival da poesia do condado.
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2 de março de 2012
o bardo
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26 de fevereiro de 2012
ponto historiado
as mulheres na história à vista de hortensia fernández |
é o historiado um ponto básico, pois serve de molde e imitaçom para outros pontos mais singelos. mas tem uma dificuldade: acompanha a sua escassa presença no mundo do tecido da exuberância decorativa. nom é muito habitual, porém adorna imensamente, o qual faz que pareça mais frequente do que na realidade é.
a primeira mulher que lembro conhecer na escola entanto mulher importante foi madame curie. lembro-a numa dessas leituras que fechavam tema no livro de sociais. e lembro ter ficado surpresa de que uma mulher pudera ser cientista! a outra que lembro, por suposto, rosalia.
porém, as duas tinham um pero: eram senhoras de... madame curie era a esposa e ajudante do doutor curie, o autêntico, nom uma maria skłodowska autónoma e como ideias próprias. e rosalia aprendim-na, ademais de um algho choromica, como a esposa do insigne murguia, que ás noites na cozinha botava-lhe um anda, mulher, escreve algumha dessas coisinhas tam jeitosas que escreves e ela lá o oferendava com uns versos.
porém, as duas tinham um pero: eram senhoras de... madame curie era a esposa e ajudante do doutor curie, o autêntico, nom uma maria skłodowska autónoma e como ideias próprias. e rosalia aprendim-na, ademais de um algho choromica, como a esposa do insigne murguia, que ás noites na cozinha botava-lhe um anda, mulher, escreve algumha dessas coisinhas tam jeitosas que escreves e ela lá o oferendava com uns versos.
realmente, nom aprendim nenguma mulher importante que valesse de modelo a seguir até saber de lidia senra, líder durante anos do sindicato labrego galego. a ela devo-lhe ter sido a primeira da que eu soubem sem homens de por meio. com o engadido de ser ela galega e contemporánea. num mundo no que só conhecia políticos, sindicalistos, chefes, presidentes e conselheiros agromou lidia senra, mandando sobre uma cheia de homazos sendo mulher e mais bem pequeneira. e por primeira vez vim a realidade representada tal e como eu a vivia.
porque no meu entorno eram as mulheres as que levavam as vacas, polo que o lógico seria que uma mulher dirigisse um sindicato agrário. só que o lógico nom era o real. em todas as casas da redonda, entanto o homem tinha um trabalho assalariado fóra, a mulher fazia-se cargo da gestom do gado, do leite, das leiras. quando eramos crianças era a nossa nai a única que nom sabia conduzir. a imagem que eu tinha das outras mulheres da aldeia era a da bata cruzada, pano negro ao vento a bater como bandeira e o saúdo com a mão mentres guiavam o john deere polas pistas para abrir caminho à semente, carregar pacas de erva ou tojo e desbroçar o monte.
lídia senra foi a primeira mulher líder da que eu soubem e foi a que me fez pensar que igual faltavam muitas representantas da realidade quotidiana na esfera pública.
casualmente, estas três mulheres nom tenhem poema próprio nas aquiltadas. por isso as traio hoje aqui.
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25 de fevereiro de 2012
safári
um poema tributo. dedicado a um cidadám exemplar, o criador de um império invejado no mundo. um empresário que antes de deslocalizá-lo, fomentou o trabalho escravo na própria terra. e seique lhe devemos agradecemento.
conheço pessoas que trabalhárom há já anos en obradoiros clandestinos que cosiam para zara. ou para outra empressa que trabalhava para outra empresa que trabalhava pra zara... sem seguro, fazendo horas de mais, se poder enfermar, cobrando menos do que marcavam as nóminas... hoje som pessoas de marrocos ou brasil, mas antes estivérom aqui.
este texto nasce duma anedota pessoal. eu, caminhando pola minha vila, a estrada, vim, uma manhá qualquer, como, chegada a hora do jantar, começarom a sair mulheres dum local aparentemente sem habilitar para negócio nengum. o que alí havia era um obradoiro clandestino desses que sempre pensamos que só existem na china ou na índia.
a imagem tirei-na de aqui. é da galeria de fotos Gov/Ba.
a imagem tirei-na de aqui. é da galeria de fotos Gov/Ba.
13 de fevereiro de 2012
guerrilheiras 1
Chelo com a sua família, antes do golpe de estado do 36 |
para mim foi um orgulho participar naquela luita e nunca renego do meu passado nem me nego a falar daquilo. naquel tempo às mulheres que andavamos com guerrilheiros chamavam-nos putas. eram os fascistas e a guarda civil os que diziam isso: "as putas dos roxos, essas estám fodidas polos roxos", dizia o cartón aquel do quartel de ponferrada, quando estavamos várias moças de guerrilheiros. é algo que nom admito. as guerrilheiras eramos como todas as mulheres e nada tinhamos que ver com a imagem que tinham de nós: apaixonavas-te por um guerrilheiro como podias apaixonar por outro homem. eles eram honrados. entre nós havia muito respecto e nunca che diria um guerrilheiro uma palavra que ti nom quigesses escuitar. por outra parte, nós sabiamos qual era a nossa luita. eu era dona dos meus actos e nom tinha que dar explicaçons a ninguém. a sociedade daquele tempo nom nos entendia.
consuelo rodríguez lópez, chelo, cujo testemunho recolhe aurora marco na obra mulheres na guerrilha antifranquista galega, 2011.
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11 de fevereiro de 2012
as sapatilhas encarnadas 2
as sapatilhas encarnadas é um conto de fadas recolhido h. c. andersen. conta a história duma menina pobre e orfã que nom tem dinheiro para uns sapatos. porém, como é muito esperta, com retalhos de teias que encontra na rua fabrica as suas próprias sapatilhas; assim caminha quente e aprende a dançar. mas a menina é adoptada por uma velha rica, que a anima a desfazer-se dos sapatinhos e lhe oferece umas maravilhosas sapatilhas encarnadas. sapatilhas que trazem com elas a maldiçom: a de nom poder deixar de dançar, o que leva a menina a morrer extenuada se nom se auto-mutila para se desfazer delas.
a versom de andersen está já peneirada polo crivo do cristianismo e a moralidade. aparecem anjos e deuses, salvadores ou castigadores, segundo se olhe. mas o conto ressuma velhas tradiçons europeias que levam ás sapatilhas encarnadas com as que se identificavam as bruxas ou mesmo á noite das walpurgis e as suas danças arredor do lume.
em volta destas fogueiras, naceu este poema.
o vídeo é o trailer de apresentaçom da versom do conto ilustrada por sara morante e publicada em impedimenta.
o vídeo é o trailer de apresentaçom da versom do conto ilustrada por sara morante e publicada em impedimenta.
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5 de fevereiro de 2012
as bombardeiras do fio
olhar duma maneira diferente o mundo a través da calceta:
Mas o melhor é ver a calceta feita acçom colectiva:
Yarnbombing Coruña from www.enimaxes.com on Vimeo.
Guerreiro romano da DOMUS, Corunha |
Muller com espelho, Madri |
Mas o melhor é ver a calceta feita acçom colectiva:
Yarnbombing Coruña from www.enimaxes.com on Vimeo.
28 de janeiro de 2012
lupanar II
os lobos sãos e as mulheres sãs compartem certas características psíquicas: uma aguda percepçom, um espírito lúdico e uma elevada capacidade de afecto. os lobos e as mulheres som sociáveis e inquisitivos por natureza e estám dotados de grande força e resistência. som também extremadamente intuitivos e preocupam-se com fervor polas suas crias, as suas parelhas, a sua manada. som experientes na arte de adaptar-se às circunstâncias, sempre mudáveis e som feramente leais e valentes.
e, sem embargo, ambos fôrom perseguidos, acossados e falsamente acusados de ser vorazes, taimados e demasiado agressivos e de valerem menos que os seus detratores. fôrom o branco daqueles que nom só quereriam limpar a selva mas também o território salvagem da psique, sufocando o instintivo até nom deixar rasto dele.
a depredaçom que exercem sobre os lobos e as mulheres aqueles que nom os comprendem é surprendentemente similar.
clarissinha: mulheres... pág. 12.
a imagem tirei-na de aqui. é de javivázquez e leva por título la loba, rómulo y remo.
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lupanar I
o lobo, nom deixando de ser uma espécie de cam com quatro patas, rabo e orelhas, é na realidade, um animal quase mitológico. povoa muitos dos contos populares da tradiçom galega -perguntem a fole- e, levando anos ausente de boa parte da geografia do país, continua a provocar iras e ódios nas aldeias: o lobo rouba o gando, mata sem por isso alimentar-se, tem querência polas pessoas, pode seguir-te uma noite até ficares aterecida polo medo, e quando a lua nom está cheia, pode virar num salvagem ser humano.
o lobo é o mau da película em muitas histórias: a carapuchinha, os três porquinhos, a cabuja e as suas crianças, o menino pedro, todos devem cuidar-se deste fero animal. e nom digamos da sua versom menos loba, a do lobisomem...
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ponto sufridoso
o sufrimento visto por hortensia fernández |
o ponto sufridoso nom é possível sem dor. o fio, de la algodom seda, tanto tem, precisa de tanta tensom para que dê um bom fim, que acaba por machucar os dedos que o trabalham. quando nom os lacera. por vezes, acabas por nom sentir as mãos, depois duma tarde de labor.este ponto há que diz que é básico para a elaboraçom dos tecidos, mas na realidade, sempre há outros alternativos que nom torturam o corpo da que ganduja.
a resistência ao sufrimento é algo que ás mulheres nos é suposta. e nom deixa de ser certo se atendemos à história que nos precede e à realidade que nos envolta. certo é que som milhões as pessoas que no mundo sofrem, mas também é certo que há sufrires que só afectam ás mulheres ou que a elas afectam exponencialmente:
- os maus tratos e a violência de gênero
- o asédio sexual
- a tranformaçom do lar num cárcere
- a mutilaçom de órgãos sexuais
- o distinto valor da nossa palavra perante a lei
- os casamentos obrigados mediante dote
- a obriga social de parir ou abortar (aseghum a moralidade do concebimento)
- a discriminaçom e remuneraçom desigual no trabalho
- ...
as estatísticas indicam que uma de cada três mulheres seremos vítimas da violência quando menos uma vez na vida: disso fala o ponto sufridoso.
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ode fundacional II
o bardo enfúndase pantalóns negros de coiro
o bardo absorbe cubatas na barra dos bares
o bardo berra himnos patrios no salón vermello
que din os rumorosos na costa verdecente?
que din os rumorosos na costa verdecente?
-non din nada non din nada, monada
o bardo das idades regresa tarde á casa
é dos que nunca petan cos cotenos na porta
é dos que pegan un berro e unha épica patada
(a patada etílica de estilo masculino)
o bardo usa o seu puño de ferro
o puño de ferro cargado nos bares
o puño que sempre peta na muller
(a costela edénica o repouso do guerreiro)
catorce denuncias na comisaría
catorce impresos impregnados de sangue
a policía atende amable a muller
a polocóa viste uniforme de home
os homes non choran pero violan
os homes píllanas entre os pinos soas
na parede da comisaría hai un calendario azul
na bandeira da tribo tamén hai unha franxa azul
carlos negro: far west, 2001.
a imagem tire-na de aqui. é de david silvosa e leva por título ¿que din os rumorosos na costa... a sua série nest week... next sentence é muito interessante.
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21 de janeiro de 2012
curandeira III
quando andava a artelhar este livro ao tempo que lia lenta e intensamente clarissa, adoeceu camino, uma amiga. deixamos de vê-la da noite para a manhá, ingressou no hospital, submeteu-se ao poder da ciência médica e os avanços da técnica, mas seguia doente.
o seu corpo suportou as agressons das terápias, em versom rádia e química, e o seu espírito aguentou um longo isolamento entre quatro muros esterilizados e purificados de germes. porém, seguia doente.
andados os messes, fomos assumindo todos, ela mesma, família e amizades, que nem medicina nem técnica nem terápias davam arranjado o seu corpo descalabrado.
foi entom que eu desejei ser xamã, huesera, loba, ou simples curandeira. também quigem conhecer o canto, a reza, a invocaçom divina ao deus ou deusa que fosse.
foi entom que escrevim este poema.
a fotografia tirei-na de aqui. é de christiane pedros e leva por título la huesera.
ponto fabuleiro
hortensia fernández veste assim o ponto fabuleiro |
a fibra que melhor senta a este ponto é a imaginaçom. como dá um tecido mesto e espesso, é habitual utilizá-lo para prendas de abrigo. quando a realidade é fria e hostil, nada melhor que tirar da fábula para proteger-se da congelaçom. a chave para que este ponto dé bom resultado é gandujá-lo ao tempo que escuitamos estórias, vemos umha boa película ou atendemos á letra duma cançom.
no ponto fabuleiro acolho dous tipos de textos.
- por uma banda, reviso ou ad(a)opto personagens literárias femininas que fam parte do nosso imaginário colectivo, e que muitas vezes servírom de modelo na nossa educaçom. eram as mulheres que (nom) tinhamos que ser: a cinsenta, a branca de neve, a carapuchinha, a bela adormecida, as bruxas...mas também as boas e as más das tele-novelas, as lara croft, as sereias, as mouras, as deusas gregas e as virgens cristãs. de muitas delas aprendemos uma versom burguesa e disney a ocultar uma outra imagem da mulher mais heterogênea e varia.
- por outra parte, seguindo as teorias de ria lemaire, dou acolhida neste ponto fabuleiro, a gêneros femininos da literatura de tradiçom oral, que com o tempo fôrom engolidos pola literatura escrita, desprezados pola alta cultura (masculina, claro), ou mesmo desaparecidos: os contos populares narrados ao pé do lar, a cantiga de amigo, o canto de berce, a adivinha, as sortes e rezas, os cantares do romanceiro, os cantos de labor, etc.
claro que, este ponto é o mais fácil de combinar com qualquer outro, polo que na realidade, recorre todo o poemário aportando calidez aos outros pontos utilizados.
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urdidura
as sapatilhas encarnadas 1
Estou no centro
duma cidade morta
e amarro as sapatilhas encarnadas...
Nom som minhas.
Som da minha nai.
E da sua nai.
Transmitidas como uma herdança,
mas agachadas como cartas vergonhosas.
A casa e a rua que lhes corresponden
estám agachadas e todas as mulheres também
estám agachadas...
Anne Sexton, penso que do poemário Transformations, 1971.
A versom original e completa do poema, podedes lê-la aqui. e, porfavorinho, tradutoras, traduzide-me esse livro!
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sapatilhas encarnadas
Janis Joplin I
Poemas que aparecem entre as linhas doutras escritas:
Janis Joplin, a cantora de blues dos anos sessenta, é um bom exemplo de mulher fera cujos instintos resultárom feridos polas forças que esmagárom o seu espírito. A sua vida criativa, a sua inocente curiosidade, o seu amor à vida e a sua atitude um tanto irreverente em relaçom com o mundo nos anos do seu desenvolvimento fôrom despiedadamente censurados polo seu professorado e por muitas das pessoas que a rodeavam na surenha comunidade baptista branca da sua época, na que tanto eram encarecidas as virtudes da "boa menina".[.../...]Há algo em Bessie Smith, Anne Sexton, Edith Piaf, Marilyn Monroe e Judy Garland que segue a mesma pauta de instinto ferido, que é própria da fame da alma: a tentativa de "encaixar", a sua conversom em alcolizadas, a sua incapacidade para se deter. Poderiamos elaborar uma listagem muito longa de mulheres com o instinto ferido que, no vulnerável estado em que se encontravam, tomárom umas decisons muito desacertadas. Como a menina do conto, todas elas perdérom polo caminho as suas sapatilhas feitas a mão e chegárom até os prejudiciais sapatos encarnados. Todas morriam de tristura, pois estavam famintas de alimento espiritual, de relatos da alma, de naturais vagabundeios, de adornos pessoais de acordo com as suas necessidades, de aprendizagem divina, duma sã e singela sexualidade. Porém elegérom sem querer os sapatos malditos -as crenças, as acçons, as ideias que provocárom o progressivo deterioro da sua vida- e estes virárom-nas espectros entregados a uma dança aloucada.
clarissinha: mulheres... pág. 329
6 de janeiro de 2012
curandeira II: a corva
a corva, trabalhando, numa imagem de lavozdegalicia |
uma das mulheres de mais sona na minha comarca era a corva. a corva de pardemarim.
a corva era compostora. dedicava-se a arranjar ossos, escordaduras e mãos abertas. também era esperta em estômagos caídos e em re-colocar paletilhas. nom cobrava um peso por esse trabalho.
para chegar a pardemarim, desde a estrada que vai a lalim, havia que passar polo fojo. gostavamos de sentar á beira da estrada e contar os carros que viravam cara a pista da bemposta. esses vam para a corva. passavam até mercedes benz!, para nós isso era do mais surprendente: gente rica indo a uma curandeira.
na taberna de lídia, uma casinha mais pequena que o loureiro que pousa nos seus muros, vendiam-se as vendagens e panos dos que gostava a corva.
ás vezes parava alguém e perguntava timidamente como chegar a pardemarim. ah, ti vas à corva!, gostavam de dizer bem alto os meus vizinhos, como para pôr em evidência ao doente encoberto.
houvo uma tempada em que nom saiamos do cruze: andava nas línguas da gente que bebeto, jogador do deportivo, estava a ser tratado pola corva. e lá botavamos as tardes, por ver se passava num super-mercedes ou parava a mercar lenços na taberna de lídia.
nunca chegamos a vê-lo.
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curandeira I
nos mitos, os cantos sanam as feridas e som utilizados para atrair as peças de caça. as pessoas atraem-se por meio do canto dos seus nomes. a dor é aliviada e um mágico alento restaura o corpo. os mortos som evocados ou ressuscitam por meio do canto.
dize-se que toda criaçom estivo acompanhada por um som ou uma palavra pronunciada em voz alta, um som ou uma palavra pronunciados com o alento.
considera-se que o canto procede de uma misteriosa fonte que outorga sabiduria a toda a criaçom, todos os animais e os seres humanos, as árvores, as plantas e qualquer ser que escuite.
nos contos dize-se que todo quanto tem seiva tem canto.
clarissinha: mulheres... pág. 260
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5 de janeiro de 2012
patchwork I
a imagem é de sempre: uma avó afastando o bastidor para comprovar que o desenho é percebido. a mesma avó achegando o bastidor a uns olhos cansos e míopes de tanto trabalhar na agulha e ás escuras.
mas o poema também é um guia para a leitura do livro: se na olhada ao pormenor temos cada um dos textos com a sua pequena estória, na olhada panorâmica podemos abarcar uma história das mulheres desde os inícios da humanidade até o hoje.
a imagem tirei-na de aqui, é de laura ramos e leva por título abuela bordando.
ponto escondente
o ponto escondente na olhada de hortensia fernández |
este ponto é tam útil como invisível. é aquel que serve para cerzir remendos, para ocultar nódoas ou reparar roçaduras. a arte está em passar o fio por entre as febras do tecido, por entre a trama, para que desde o exterior nom seja visto.
quase todos os trabalhos das mulheres tivérom lugar na clandestinidade, nom por ilegais, mas por nom-vistos, por ocultados. muitas das estórias protagonizadas por mulheres o fôrom portas adentro da casa, do cárcere. e boa parte do seu labor em pro da causa comum, da res publica, negado ou desvalorizado.
para que um homem participasse numa guerrilha e libertasse um povo
para que um homem descobrisse a lei de gravitaçom universal
para que um homem escrevesse o melhor romance da história
para que um homem estudasse a estrutura fina do sistema nervoso central
uma mulher cozeu pam, coseu roupas, atendeu as crianças e os doentes, lavou a colada, lavrou os campos, organizou as despesas, teceu o enxoval, deu apoio e aguentou as visitas. ás agachadas. sem lugar nas enciclopédias.
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urdidura
aquiltadas: urdidura
assim devedes visualizar aquiltadas -a enxugar na seneira-; cada quadrinho, um poema. |
o trabalho em retalhos consiste em unir tecidos diferentes em formatos diversos para, no conjunto, construir uma colcha, uma manta, um bolso, um qualquer objecto de utilidade. a arte do patchwork era muito vantajosa para aproveitar e reutilizar roupagens velhas.
aquiltadas recolhe a tradiçom do patchwork e há de ser lida como se um cobertor fosse: cada poema tem entidade própria e aparece recolhido no seu bloco particular.
como nas colchas de retalhos, cada poema corresponde a um modelo prévio, neste caso temático. repartim os textos segundo oito temas diferentes, aos que chamei pontos: o sufridoso, o laboriado, o afamadeiro, o naturante, o escondente, o costuroso, o fabuleiro e o historiado.
mas isso nom quer dizer que essa continuidade temática tenha linealidade no livro. nom. como em qualquer colcha, os poemas estám distribuidos de maneira aleatória por toda a área.
assim, podedes escolher dous (ou mais) modos de leitura: a lineal ou a temática.
porém, o feito de andar a reciclar tecidos (técnicas, protagonistas, vozes...) faz que haja múltiplas inter-relações entre uns poemas e outros, ou que o mesmo texto pudera ser aplicado a um ou outro ponto. mas isso já é cousa vossa, leitoras e leitores.
a foto tirei-na de aqui, é autoria de Sarah @ pingsandneedles e leva por nome echino patchwork quilt.
aquiltadas: definiçom
a técnica do patchwork aplicada á fotografia |
aquiltadas quer ser:
- uma colcha de retalhos, também chamada quilt e elaborada com a técnica do patchwork.
- um livro de poemas
- um livro de história
- uma história feita poemas
- uma homenagem a todas as [diversas] mulheres que no mundo fôram
aquiltadas nom quer ser:
- um cúmulo de poemas para engordar um livro
- o livro de História
- uma ode encomiástica á Mulher
a imagem tirei-na de aqui, é de Grakus Art.
4 de janeiro de 2012
da educaçom sentimental
capa dum romance de corín tellado |
quando cursei o terceiro ciclo na usc, houvem de preparar uma disertaçom sobre as vedetes, de cassandra rios, para o seminário de literatura brasileira.
eu nem sabia quem era cassandra rios, mas nom estranhei, dadas as minhas brasileiras lacunas literárias. primeiro lim o romance, e depois de ter ficado espantada (acepçom padrom) com a leitura, sentim curiosidade sobre se a sua temática teria causado espanto (acepçom galega) no público da época.
cassandra rios escreveu as vedetes em plena ditadura, sob o espadom enorme da censura. e as vedetes conta as estórias de um grupo de artistas de revista, os seu amores, as suas andanças noturnas por rio e são paulo, e nom deixa de ter cabida no romance assuntos como o consumo de drogas ou a homosexualidade, masculina, e sobretodo, feminina. tudo isto em plena década de '70. guau!
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3 de janeiro de 2012
carapuchinha
A minha tia-avó, Pilar Arines Otero, que contou esta estória muitas vezes. |
outoniça tarde, santo adriám de cobres, a olhar o mar.
A POETA: olha, aí quer a minha tia que a esparjamos em cinsas quando morra.
O MUSO: em são simom? e ló?
A POETA: sei que ia aí quando menina. quando campo de concentraçom.
O MUSO: tinhades família presa?
A POETA: nom. era um amigo da família. mas nom da dos meus avôs. porque pilar vivia com uns tios dela, que a tinham meio de criada meio pro-filhada. como ela tinha epilepsia todo o mundo pensava que era aparvada e foi viver com essa gente. esse tio era advogado, família rica, mas devia ser meio republicano, porque ela sempre conta que nos primeiros dias do golpe, ele nom parava na casa a dormir, por se o iam buscar...
O MUSO: ...e acabou em são simom...
A POETA: noooom. pilar estava encarregada de levar-lhe, cada dous dias, o jantar a um preso amigo da família, um galeguista conhecido, nom lembro o nome. porque os presos com dinheiro e contatos podiam receber comida de fóra. e alá ia ela, com a cestinha, a levar as viandas do coleguinha do padrinho... e diz que via toda a miséria que suportavam os presos e as famílias querendo passar e o barqueiro que cobrava e havia quem nom podia pagar... por isso quer ir para aí. do cemitério nom gosta.
O MUSO: quanto tempo tinha ela?
A POETA: nom sei, nunca lhe perguntei. suponho que nom havia de ser tam nova, para andar sozinha polos caminhos...
O MUSO: ou precisamente para isso: uma menina sempre é menos suspeitosa que um adulto. imagino que seria como a carapuchinha.
A POETA: a carapuchinha? anda! acabas de dar-me um poema!
assim nascem os poemas.
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ode fundacional I
eu quero uma outra mátria com uns outros símbolos |
que povo poder ser povo fundado em valores que nom acolhem a toda a sua povoaçom?
essa é questom que resume e ressuma este poema.
e a questom nasce, evidentemente de aqui, de aqui, de aqui e de aqui. porque continuamos a relativizar a pegada do sexismo.
o desenho é dos afamados aduaneiros sem fronteiras, que durante uma boa tempada questionarom, desde a rede e o humor, os símbolos pátrios galegos.
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ponto costuroso
o ponto costuroso rendilhado por hortensia fernández |
um dos pontos mais complicados de urdir, pois há de servir para arranjar e para criar, para cerzir e para bordar. tem a qualidade de invisível mas imprescindível. tende á desapariçom, arrasado polo velcro, a cola e outras modernidades.
escrevendo um livro com estrutura de colcha de retalhos, havia de ter um apartado dedicado em exclusiva aos trabalhos do tecido e a costura. fòrom estes, por tradiçom e história, labores femininos.
eram as mulheres da casa, nas noites de invernada, as que trabalhavam a lã, o linho, o esparto e qualquer outra fibra para fazer delas vestimenta.
eram elas que aprenderam (e provavelmente descobriram) a arte da tingidura.
e elas passârom, de geraçom em geraçom as diversas castes de calceta, rendilhado, crochet, bordado, patchwork, etc. que vestem as nossas pessoas e os nossos lares.
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urdidura
ao voo do papagaio
O bairro do papagaio numa das fotografias de maribel longueira |
poema escrito após a leitura/visionado do livro e da exposiçom o papagaio, de maribel longueira e luisa villalta.
partindo das fotografias da primeira, feitas no bairro do papagaio da crunha antes da sua demoliçom, luisa villalta escreveu os poemas e, a duas mãos, construírom um livro que devorei lentamente, oxímoro palpável. o bairro do papagaio vinha a ser o equivalente ao bairro do pombal compostelám, é dizer, o bairro das putas.
as putas estám muito mal vistas socialmente, mas a nível individual, entanto pessoa dedicada á prostituçom, porque entanto grémio, também é certo que uma grande maioria as considera necessárias. como, se nom, tantos homens vam libertar os seus instintos instintosos e inevitáveis? ao terem uma utilidade social, sobretodo de controlo social, ajudando a manter a hipócrita instituiçom familiar (desafogamos a libido nas traseiras para deixar tranquilas as varandas), som aceites mentres se mantenham escondentes e dêm lucros econômicos, meretrizes plusvalias.
nom acontece o mesmo com as mulheres que se negam a ter crianças. admitir publicamente que uma nom quer ter filhos é expor-se a ser marcada como antinatural, pouco mulher, egoísta, rara, libidinosa, má e, finalmente, puta.
enfim, no fundo, a mesma cousa.
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2 de janeiro de 2012
água
mulheres carretando. a casamança, verám de 2006. |
visitei a casamança, entre o senegal e a guiné bissau, há uns anos. daquela ficou em mim gravada a evidência de que os avanços sociais som limitados no tempo e, sobretodo, no espaço. liberdades que tanto tempo e sangue e vidas levaram conquistar para as mulheres do ocidente, e que muitas vivemos como naturais e evidentes, ainda ficam utopicamente longe para as mulheres deste tempo mas doutras terras.
a evidência era patente no quotidiano, no labor simples e calado de fazer-se com água potável. essa mesma água que a mim chega através de canos e torneiras e facturas de aquagest, outras tenhem que ir buscá-la cada dia, a primeira hora da manhá, ás fontes, aos poços, ao regato, aonde puder.
nascêrom desta evidência dous poemas, um entrou nas instalações do livro [de]construçom; o outro abre este aquiltadas.
se água ocupa o primeiro quilte do poemário nom é por acaso. á água questiona duma maneira dupla a concepçom cronológicamente lineal da história: aquilo que hoje nós temos nom é o mesmo que hoje tenhem noutros lugares, noutras culturas, outras mulheres do planeta.
por outra banda, a água responde á essa concepçom lineal com a súa organizaçom cíclica. é nom só gosto da imagem da água que se transforma, contamina, depura, congela, derrete, chove, sem deixar por isso de ser água, mas também da ideia de movimento que transmite: a água circula, move-se, é dinâmica, nom como a História, estática, estável, descontaminada e imóvel.
aquiltadas é uma história de água.
se água ocupa o primeiro quilte do poemário nom é por acaso. á água questiona duma maneira dupla a concepçom cronológicamente lineal da história: aquilo que hoje nós temos nom é o mesmo que hoje tenhem noutros lugares, noutras culturas, outras mulheres do planeta.
por outra banda, a água responde á essa concepçom lineal com a súa organizaçom cíclica. é nom só gosto da imagem da água que se transforma, contamina, depura, congela, derrete, chove, sem deixar por isso de ser água, mas também da ideia de movimento que transmite: a água circula, move-se, é dinâmica, nom como a História, estática, estável, descontaminada e imóvel.
aquiltadas é uma história de água.
O ciclo da água visto por alexandre ono. |
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ponto afamadeiro
o ponto afamadeiro visto para o livro por hortensia fernández |
este ponto nom tem muita complicaçom: atiras do fio das mulheres que neste mundo grande fama tivêrom. desenguedelhas as informações falsas, dás-lhe uma volta virada ás informações ocultadas e passas, cada três pontos, uma dúvida para o direito.
as mulheres que a nós chegárom, através do fio da história, o figérom vistas de óculos deformados polo poder e o patriarcado. a imagem que delas temos, em muitas ocasiões, é uma imagem corrompida, por adoçada, por moderada, por atenuada, por amansada enfim.
o ponto afamadeiro busca revis[it]ar a figura dalgumas destas mulheres, introduzindo, com a homenagem a parte delas, uma versom diferente da sua estória.
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