3 de janeiro de 2012

carapuchinha

A minha tia-avó, Pilar Arines Otero, que contou esta estória muitas vezes.

outoniça tarde, santo adriám de cobres, a olhar o mar.

A POETA: olha, aí quer a minha tia que a esparjamos em cinsas quando morra.

O MUSO: em são simom? e ló?

A POETA: sei que ia aí quando menina. quando campo de concentraçom.

O MUSO: tinhades família presa?

A POETA: nom. era um amigo da família. mas nom da dos meus avôs. porque pilar vivia com uns tios dela, que a tinham meio de criada meio pro-filhada. como ela tinha epilepsia todo o mundo pensava que era aparvada e foi viver com essa gente. esse tio era advogado, família rica, mas devia ser meio republicano, porque ela sempre conta que nos primeiros dias do golpe, ele nom parava na casa a dormir, por se o iam buscar...

O MUSO: ...e acabou em são simom...

A POETA: noooom. pilar estava encarregada de levar-lhe, cada dous dias, o jantar a um preso amigo da família, um galeguista conhecido, nom lembro o nome. porque os presos com dinheiro e contatos podiam receber comida de fóra. e alá ia ela, com a cestinha, a levar as viandas do coleguinha do padrinho... e diz que via toda a miséria que suportavam os presos e as famílias querendo passar e o barqueiro que cobrava e havia quem nom podia pagar... por isso quer ir para aí. do cemitério nom gosta.

O MUSO: quanto tempo tinha ela?

A POETA: nom sei, nunca lhe perguntei. suponho que nom havia de ser tam nova, para andar sozinha polos caminhos...

O MUSO: ou precisamente para isso: uma menina sempre é menos suspeitosa que um adulto. imagino que seria como a carapuchinha.

A POETA: a carapuchinha? anda! acabas de dar-me um poema!

assim nascem os poemas.

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